Por Minha Receita
Quem acompanha doramas provavelmente já se pegou desejando saborear os pratos que aparecem nas cenas – do ramyeon (também conhecido como lamen ou ramen) soltando fumaça ao samgyeopsal (churrasco coreano) grelhado lentamente, passando pelo kimchi (hortaliças fermentadas) caseiro feito com todo o cuidado. Nas séries asiáticas, a comida não é só um detalhe: ela compõe as engrenagens da narrativa e é usada para tensionar, revelar ou reconciliar personagens.

O fenômeno é um espelho da cultura asiática, em que comer, mais do que uma necessidade fisiológica, é um ato de união, respeito e celebração. Produzidos principalmente no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwan, os doramas também se valem das refeições como instâncias simbólicas, em que se elaboram afetos e conflitos. A gastronomia é usada como ferramenta para comunicar valores culturais, sociais e emocionais e opera como uma chave de leitura da vida local — um ponto de entrada sensorial para mundos distintos e distantes.
Em Something in the Rain (2018), por exemplo, o gesto de cozinhar para o outro se apresenta como uma forma silenciosa de expressar sentimentos. Os pratos refletem o estado emocional dos personagens, condensando aquilo que a narrativa nem sempre verbaliza – um prato servido pode ser um pedido de desculpas ou uma declaração de amor.
Já em Misaeng (2014), o jantar entre colegas de trabalho representa o momento em que as hierarquias se desfazem e as relações de poder se reconfiguram fora do ambiente formal; e, em Itaewon Class (2020), a história de um restaurante coreano serve como pano de fundo para discutir racismo, desigualdade e disputas de poder — sempre mediadas pela comida.
Do kimbap (rolinho de arroz envolvido por alga), que simboliza a amizade, ao bulgogi (carne marinada grelhada), marcado pela tradição, cada prato reforça os laços entre personagens e espectadores — e os roteiristas sabem disso. Essa estética não é gratuita: a disposição dos alimentos, os ângulos das câmeras e o ritmo das cenas são pensados para potencializar o apelo visual e emocional.
Por isso, essas produções tendem a apresentar pratos multicoloridos, texturas contrastantes e uma mise-en-scène calculada para despertar não só o apetite, mas também a curiosidade. Este recurso visual não é apenas atrativo, mas também estratégico, garantindo engajamento e peso dramático à trama. Let’s Eat (2013), por exemplo, ficou conhecida por cenas longas e detalhadas de refeições, nas quais o ato de comer ocupa o centro da narrativa.
A popularização dessas séries vem gerando também uma nova onda de interesse pela culinária asiática no Brasil, impulsionando o consumo de pratos tradicionais como o jajangmyeon (macarrão com molho de feijão preto) e o tteokbokki (bolinho de arroz picante). Os doces asiáticos, como o mochi e o mooncake, também estão em alta, conquistando espaço em cafeterias e confeitarias e ampliando um repertório de sabores antes dominado por influências europeias.

Mais do que uma tendência gastronômica, trata-se de um fenômeno cultural que faz da comida uma forma de narrar mundos, deslocar fronteiras e despertar o desejo de experimentar o que, por muito tempo, era desconhecido – pelo paladar, mas também por todos os símbolos que carrega.