Por Minha Receita
Lis Cereja fez dos vinhos naturais e da comida sem atalhos o centro de um negócio raro na gastronomia brasileira. À frente da Enoteca Saint VinSaint, em São Paulo, ela construiu um restaurante e bar de vinhos que funciona em ciclo fechado: parte dos ingredientes vem das hortas próprias, os resíduos viram adubo e a cozinha é pensada para aproveitar cada ingrediente até o fim. No cardápio só entram produtos de pequenos produtores, orgânicos, naturais ou biodinâmicos — tudo selecionado com o mesmo rigor com que Lis pesquisa, escreve e cozinha.

Nutricionista de formação, gastrônoma por paixão e pioneira na defesa dos vinhos naturais no país, Lis é também autora de dois livros — o mais recente, Vinho Natural (Editora Afluente, 2024), condensa quase duas décadas de estudo e prática. Idealizadora da Feira Naturebas, maior evento de vinhos naturais da América Latina, e do documentário FreeRange Doc., ela faz da cozinha um espaço de experimentação e reconexão com o alimento.
Nos últimos anos, ampliou esse universo criando uma escola rural, onde ensina sobre ervas medicinais e gastronomia sustentável e promove as Caravanas Naturebas — viagens para quem quer mergulhar no Brasil profundo de sabores e saberes ancestrais.
A seguir, ela fala mais sobre os ingredientes que atravessam sua cozinha e seu afeto, como os fermentados que sempre tem à mão, os ovos de suas galinhas caipiras e o gnocchi de sua mãe.
Que prato te remete à infância e te faz se sentir em casa?
O gnocchi de batata com molho de tomate da minha mãe.
Como você define a culinária brasileira?
A culinária brasileira, infelizmente, é vítima de seu próprio estereótipo. Existem muitos “Brasis” e muitas culinárias brasileiras. Sempre digo que somos o canibal de Hans Staden, antropófago, um país que deglute e assimila as influências de todos os que aqui chegaram para sua própria criação individual.

Que ingrediente nunca falta na sua geladeira e por quê?
Ovos. Sou vegetariana e tenho galinhas caipiras em casa, então boa parte da minha dieta se baseia nos ovos de casa.
Pode compartilhar um truque de cozinha seu?
Sempre ter à mão legumes e verduras fermentados, como pepinos e cenouras em fermentação lática, chucrute e picles. Além de aportar acidez, os alimentos fermentados dão complexidade aos pratos e são excelentes para a saúde de nossa microbiota.
Você tem algum ritual antes de começar a cozinhar, ou alguma mania enquanto cozinha?
Bebo vinho e escuto música enquanto cozinho. Gosto também de ir organizando e lavando a louça para não deixar o local desorganizado. E sempre estou com um pano de prato no ombro.
Qual é a trilha sonora ideal para um dia cheio na cozinha?
Tenho minhas playlists temáticas, mas gosto muito do som do Brasil da década de 70, como o álbum do Sivuca, 1974, e seu “Ain’t no Sunshine”.

Cite uma combinação de sabores inusitada ou pouco usual de que você gosta.
Cebola com páprica e vinagre. É uma receita romena que como com tudo.
Se você pudesse cozinhar para qualquer pessoa (viva ou não), quem seria e o que prepararia?
Rudolf Steiner [filósofo idealizador da Antroposofia]. Com certeza algo brasileiro, como uma moqueca ou um bobó.
Qual foi a melhor dica ou conselho relacionado ao mundo da gastronomia que já te deram e você carrega até hoje?
Que 99% da vida de um chef é frustração: pensar em receitas, preparar, tentar tirar receitas da cabeça… que na maior parte das vezes não dá certo, ou sai diferente do que imaginamos. Ser chef é lidar com frustração o tempo inteiro e aprender a crescer e brincar com isso.
Como você enxerga o futuro da gastronomia brasileira?
Como uma volta à localidade e à ancestralidade das receitas e dos ingredientes.
Indique três dos seus restaurantes favoritos no Brasil.
A Casa de Ieda, em São Paulo (SP); a Casa de Comida Amazônica, em Manaus (AM); e a Casa do Monjolo, em Passa Quarto (MG).